domingo, 22 de setembro de 2013

PRÊMIO PETECA 2013 - CONTO DE BEBERIBE

Triste Fim

 Vitória Queiroz de Souza*

Allan, como muitos o chamavam, tinha onze anos quando começou a trabalhar como “flanelinha” no centro urbano de São Paulo. Tinha dois irmãos: Júlia e Adan. Sendo o mais velho dentre eles, trabalhava com os pais para sobreviver. A situação ficou mais trágica depois que um incêndio atingiu o casebre, matando seus pais. Os três irmãos passaram a viver debaixo de um viaduto. Compartilhavam tal situação com tantos outros que, como eles, tiveram negado o direito a um lar digno.
O menino trabalhava demasiadamente. Às cinco horas da manhã, acordava. Ou a fome o acordava. Era  fácil demais acordar, pois os carros já estavam a fazer um barulho que espantava até o frio. E mesmo exausto, era quase impossível dormir. O chão úmido e sujo por vezes o deixou a desejar uma cama quente e confortável.
Em um desses dias de fome e cansaço, que não conseguiu levantar para trabalhar, com uma dor no estômago, que o paralisava totalmente. Tinha que acordar sua irmã.
_ Júlia, é você quem irá pedir comida num daqueles pontos. Eu já não aguento.            
Apesar de ter apenas sete anos, a menina inteligente e de perguntas inusitadas, ainda abrindo os olhos, não hesitou em perguntar:
_ Allan, você tem vontade de estudar, com os outros meninos?
Pasmo com a pergunta, Allan não queria, de modo algum, que ela se decepcionasse ao descobrir que o mundo é repleto de impossibilidades, coisas que agem como vermes prontos para destruir os sonhos infantis. Então ele disse do desejo que sentia de estudar e de ter um lar no qual pudesse brincar, ter lazer e família, ter livros e cadernos, enfim, ter tudo aquilo que algumas crianças têm e que, muitas vezes, desprezam. E os de Allan, quase sempre alegres, de repente se tornaram tristes, tristes...
_ Bom, disse ele, cuidemos da nossa vida, não é certo? E afagando a cabeça da irmã, Allan emite para ela um sorriso forçado.
A menina saiu, então, à procura de comida, e logo encontrou um senhor a quem pediu, com voz trêmula, algo para comer. Recebeu dele uma pequena quantia em dinheiro e agradeceu com um largo sorriso, saindo saltitante, como quem encontra um tesouro perdido, e foi em busca de comprar alimento. O seu rosto era só gratidão, sentimento que, por estupidez ou ignorância, não valorizamos nas pequenas coisas.
E na manhã seguinte a terrível rotina de Allan voltaria a se repetir. Chegaria, mais uma vez, a hora de pegar os velhos panos, a garrafa com água retirada da fonte ali pertinho e esperar, com outros meninos, pelo pontinho vermelho do semáforo, o sinal verde para a hora de limpar os para-brisas e receber a gratificação tão esperada. Em meio ao trânsito e ao sofrimento, há nele a esperança de que tudo mudará para melhor. Não é preciso um triste fim para quem vive triste. Ali ele vai idealizar a vida que deseja para si e para os irmãos, sonho de menino que só estremece diante do olhar indiferente dos enxergam diariamente tantos Allans e nada fazem.

*A autora é aluna da Escola Municipal de Ensino Fundamental Desembargador Pedro de Queiroz (turma A, turno manhã), do Município de Beberibe.


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